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Resultado político da Selic parece já ter sido endereçado


| Por: Leopoldo Vieira, originalmente publicado no Faria Lima Journal|

 
O atual patamar da taxa Selic, mantida em 15% ao ano pelo Banco Central (BC), pode ser interpretado como uma estratégia bem-sucedida da autoridade monetária para valorizar o real frente ao dólar e, assim, conter a inflação, sobretudo a de alimentos. Esse movimento contribuiu para a estabilização da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um contexto permeado pela incerteza cambial devido ao tarifaço americano, porém marcado pelo pleno emprego, aumento da renda e resiliência do setor de serviços — fatores que, sem dominância fiscal, reduziram os efeitos do “remédio amargo” sobre a atividade econômica. 

Nesta semana, dados oficiais confirmaram a menor inflação para outubro em 27 anos. O resultado levou parte do mercado financeiro a defender que o ciclo de cortes da Selic comece em janeiro, enquanto economistas da Faria Lima falavam em março ou abril, apoiados em previsões de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode atingir em novembro o teto da meta (4,5%).


(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

NÃO É UM “CÉU DE BRIGADEIRO”

Especialistas afirmam que, com a Selic no maior patamar desde 2006, o diferencial de juros em relação aos Estados Unidos e outros países está muito grande, abrindo espaço para que as taxas caiam sem afetar os fluxos de carry trade.

Mas esses especialistas alertam que os efeitos da Selic sobre a atividade e o emprego podem já estar sendo sentidos. Eles avaliam que uma eventual recessão provocada pelo BC pode dificultar a reeleição de Lula. A leitura é de que é preciso observar o impacto de algumas medidas, como a isenção do Imposto de Renda (IR), na economia.

IMPASSES DE UM AJUSTE

Investidores, contudo, avaliam que, sem uma sinalização nítida de Lula sobre um ajuste fiscal estrutural a partir de 2027, caso reeleito, o ciclo, o ritmo e a intensidade da queda dos juros tendem a ser limitados.

Esse é o ponto central: o ajuste proposto por parte do mercado — fim dos pisos constitucionais e desvinculação do salário mínimo de benefícios previdenciários e assistenciais — é visto como politicamente indefensável no cenário eleitoral. Por outro lado, uma queda acelerada pode intensificar a volatilidade do dólar, com impactos negativos sobre a inflação, o que é esperado em virtude da sucessão presidencial. Luis Stuhlberger, da Verde Asset, indicou concordar com um entendimento segundo o qual a Previdência seja reajustada apenas pela inflação, enquanto outros “tubarões” da Faria Lima chegaram a considerar a alteração da meta no início do terceiro mandato de Lula, como Rogério Xavier, da SPX. Por ora, nenhuma previsão, nem do Ministério da Fazenda nem do Boletim Focus, aponta uma recessão.

SAÍDAS NEGOCIADAS

Entre agentes econômicos, existe a leitura de que o Brasil pode repetir uma crise política semelhante à de 2016 caso o próximo presidente rejeite um ajuste duro. Essa visão, no entanto, ignora que aquele desfecho decorreu da forte erosão de popularidade decorrente de medidas defendidas pela própria Faria Lima e pelo Centrão — algo que não está no radar atual, como sugeriu o “ajuste compartilhado com o andar de cima”, no final do ano passado, quando o anúncio da reforma do Imposto de Renda (IR) junto com cortes de gastos foi criticado pelo mercado.

Em paralelo, três anos de críticas recorrentes de integrantes do governo federal acabaram por reforçar a autonomia do BC, que foi aprovada com oposição do PT, mas também serviram para mobilizar o sentimento antissistema da população em favor do governo.

VANTAGEM DO INCUMBENTE

A polarização eleitoral acirrada vai se antecipando ao ano que vem e, mesmo com uma eventual derrota do incumbente, deve limitar a adoção do ajuste proposto pelo mercado. Entretanto, a redução dos juros também tende a diminuir o serviço da dívida. Por isso, para alguns analistas, um “acerto de contas” fiscal, a partir de 2027, dependerá de um novo acordo capaz de conciliar austeridade, prerrogativas dos Poderes, novas pressões climáticas e demandas sociais de um país que envelhece e está exausto com o mundo do trabalho, gerando prejuízos às empresas. Sem esse pacto, será inviável construir uma agenda consensual.

Todavia, não é somente o efeito econômico direto da redução da Selic — como na atividade ou no crédito — que deve favorecer a reeleição de Lula, mas o impacto político-eleitoral de um “clima” de queda dos juros no país, ativando o otimismo nacional com o futuro, avaliado como fundamental em processos eleitorais. Portanto, dificilmente o presidente Lula não será beneficiado pela redução da Selic, pois o resultado político parece já ter sido endereçado