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Queda de MP deve fortalecer Lula, enfraquecer Centrão e acender alerta no mercado

Com a derrota da Medida Provisória (MP) que buscava fechar as contas do arcabouço fiscal por meio da taxação do chamado “andar de cima” na Câmara dos Deputados, o governo Lula retomou a narrativa distributiva, que suplantou a do "impostômetro", e reforçou a linha de contraposição ao establishment político e econômico, considerada central para a recente recuperação da popularidade presidencial.

Ao mesmo tempo, o Poder Executivo manteve margem de ação para adotar medidas que preservem o arcabouço fiscal, mas sob o argumento de proteger as políticas sociais. Além disso, o Palácio do Planalto obteve um pretexto para relançar pautas populares já planejadas, como o fim da escala 6x1, junto a uma opinião pública nitidamente receptiva a elas.

CUSTO DO "SEMIPARLAMENTARISMO"

Embora o Centrão tenha reagido ao avanço do leve favoritismo de Lula com a derrubada da MP, as pesquisas renovaram a vantagem do presidente, encorajando o Planalto a transformar o revés em oportunidade de mobilização digital e social, impulsionada também pelo progresso do distensionamento das relações entre Brasília e Washington. Assim, o movimento do bloco pode ampliar o desgaste e a desaprovação do Legislativo, o Poder mais impopular. 

A consolidação e o desenvolvimento da polarização no Brasil geraram um custo ao que especialistas classificam como "semipresidencialismo" ou "semiparlamentarismo": a regulamentação das emendas parlamentares, seu enfraquecimento como instrumento eficaz de governabilidade, o risco de revisão constitucional do orçamento impositivo e o desgaste acentuado da imagem pública do Legislativo.

O atual contexto sugere que mensurar o impacto de medidas do Parlamento na opinião pública, e do Executivo no mercado, é mais significativo do que calcular as chances de pautas governamentais avançarem ou não no Congresso por meio de instrumentos tradicionais de "articulação política", o que questiona avaliações de que o Planalto errou ao ameaçar cortar emendas e recorrer à mobilização da sociedade para manter a MP.

( Walter Campanato/Agência Brasil)

UM "CIRCUIT BREAKER"?

Já o mercado financeiro antecipa os embates fiscais esperados para 2027: o adiamento das previsões de corte de juros sugere tentativa de dar novo impulso à “mudança de regime” em 2026, expectativa que perdeu fôlego desde o avanço governista com a campanha pela justiça tributária após a derrubada do decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para rendas superiores.

Entre investidores e empresários, ganha força a leitura de que o país pode viver uma crise política semelhante à de 2016, caso o próximo presidente resista a um ajuste fiscal duro. Tal visão, no entanto, despreza que a deposição de Dilma Rousseff –  atual executiva do Banco dos BRICS –  decorreu, essencialmente, da forte erosão de popularidade provocada por medidas defendidas pela Faria Lima e pelo Centrão, o que não está no radar atual, como apontou o "ajuste compartilhado com o andar de cima" do final do ano passado.

Para analistas, a saída do conflito que se arrasta desde 2013 só será possível, a partir de 2027, com um novo acordo fiscal que concilie austeridade, prerrogativas dos Poderes, pressões climáticas e demandas sociais. Sem isso, será inviável uma agenda de consenso.

DIAS SEGUINTES

As próximas pesquisas revelarão os rumos da disputa política nacional e como se reposicionarão seus principais jogadores, testando se o Centrão acertou quando decidiu pagar para ver se o Planalto e o PT dobrariam a aposta na mobilização social e digital

Na semana que vem, por enquanto, o foco deve ser a contradição entre os anúncios do governo Lula para corrigir os efeitos da derrubada da MP e a tentativa da oposição de colocar em pauta o "PL da Dosimetria", que busca garantir o ex-presidente Jair Bolsonaro fora das urnas eletrônicas e da Papuda.

A proposta não tem data para votação, mas cresce a desaprovação popular: 52% são contra a redução de penas e 47% rejeitam a anistia, segundo a Quaest. Ironicamente, a eventual aprovação do "PL da Dosimetria" pode favorecer um ambiente ainda melhor para o avanço das tratativas Brasil-EUA, a cereja do momentum lulista, sobretudo com Marco Rubio, secretário de Estado americano, liderando a representação da Casa Branca. 

Abaixo, a legenda para avaliação de risco político:

⬆️ Positivo para o governo Lula

⬇️ Negativo para o governo Lula

🟠 Neutro / Atenção

⬆️ Mais perto da paz
Uma reunião entre Brasil e EUA, em Washington, sem data definida, foi acertada em ligação entre o secretário de Estado americano, Marco Rubio, e o chanceler brasileiro, Mauro Vieira. O objetivo é dar continuidade às negociações econômicas e comerciais após a videoconferência entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Donald Trump, dos EUA. Vieira parabenizou Rubio pelo acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza. Israel e Hamas se comprometeram a libertar prisioneiros na primeira fase da iniciativa mediada por Trump, o que pode aliviar o que países como Brasil e África do Sul denunciaram em cortes internacionais como genocídio palestino.

⬆️ Me dê motivos
Com a derrubada da “MP BBB”, da qual a oposição diz ter restado apenas um "B", lideranças do PT e do Planalto reativaram o discurso da justiça tributária, acusado pelo Centrão e pelo mercado de instigar a disputa “ricos vs. pobres”. O governo Lula prepara uma ofensiva de comunicação para mostrar que a rejeição da medida prejudica diretamente os mais pobres e favorece grandes empresas e a alta renda.

⬆️ Discurso afinado
A oposição afirma que a MP penalizava investidores, apelidando-a de “taxa-tudo”. Em entrevista à Rádio Piatã FM, Lula rebateu, dizendo que o Congresso “recusou permitir que os ricos pagassem um pouco mais de imposto” e que “quem perdeu foi o povo brasileiro”. Fernando Haddad, da Fazenda, acusou o governador Tarcísio de Freitas (SP) de agir contra a MP para proteger interesses da Faria Lima, enquanto Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, afirmou que “Tarcísio é o candidato dos bilionários, das bets e dos golpistas”.

⬆️ Sem mudanças
Haddad garantiu que a meta fiscal será mantida e cumprida, apesar do revés. O governo Lula avalia medidas que independem do Congresso, como aumento do IOF e corte de R$ 10 bilhões em emendas parlamentares, para compensar perdas de R$ 46 bilhões em dois anos. “Vamos ver como o sistema financeiro, sobretudo as fintechs – tem fintech hoje maior do que banco – paguem o imposto devido neste país”, disse Lula, sinalizando o caminho técnico a ser seguido.

⬆️ Má fama
O presidente da Câmara, Hugo Motta, retrucou Haddad dizendo que o corte de emendas será "contra a população". De modo geral, elas têm sido alvo de denúncias que vão desde o enriquecimento de assessorias parlamentares e consultorias de fachada, que atuam como intermediárias de negócios entre congressistas, prefeitos, empresários e lobistas, até casos de desvio de verbas de regiões carentes para beneficiar bases eleitorais. Todavia, é no Senado, Casa com menos parlamentares que a Câmara, que a governabilidade parlamentar do Executivo é mais forte.

⬆️ Hora do desmame?
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, liberou para julgamento, entre 17 e 24 de outubro, a ação sobre a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de grandes empresas, que o governo Lula argumenta violar o marco fiscal por falta de compensação. As renúncias somam R$ 20,23 bilhões, valor próximo à perda causada pela derrubada da MP.

⬆️ “Much ado for nothing”
A XP Investimentos adiou de janeiro para março de 2026 a previsão de início do ciclo de cortes da Selic. O economista-chefe da corretora, Caio Megale, afirmou que o governo Lula via a MP como essencial para sustentar o orçamento de 2026 e que, sem ela, “faltam recursos” e a meta fiscal fica “mais distante”. Apesar disso, outras casas já projetavam o primeiro trimestre como marco para o início da flexibilização monetária. Analistas apostam que o "clima" de redução de juros, por si, já tende a favorecer Lula, em meio à atividade resiliente, bons indicadores socioeconômicos, entregas públicas e bandeiras eleitorais populares.

⬆️ Vantagem do incumbente
Pesquisa Genial/Quaest mostrou Lula com 12 pontos de vantagem sobre Tarcísio em um segundo turno de 2026. O ex-presidente Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro lideram a rejeição nacional. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro tem 61%; Tarcísio, 41%; os governadores Ronaldo Caiado (GO), 32%, e Ratinho Jr. (PR), 40%. Lula venceria Ratinho por 13 pontos; Caiado, o governador Romeu Zema (MG) e Eduardo Bolsonaro por 15. Já o governador Eduardo Leite (RS) seria batido pelo petista por 23.

⬆️ Ajustes na dosimetria
Em gesto de distensão entre as Casas, Davi Alcolumbre e Hugo Motta, presidentes do Senado e da Câmara, discutiram o “PL da Dosimetria”, que visa manter Bolsonaro inelegível, mas em prisão domiciliar. Alcolumbre pediu ajustes no texto do relator, Paulinho da Força, antes de submetê-lo aos líderes do Senado.

⬆️ “Market friendly”
O governo Lula prepara uma nova política habitacional que pode injetar R$ 35 bilhões imediatos no mercado imobiliário e R$ 150 bilhões até 2027. O plano prioriza famílias de baixa renda e classe média, segmentos em que Lula mais cresceu nas pesquisas.

Em tempo: O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, anunciou nesta quinta-feira que deixará a Corte antes do prazo de aposentadoria compulsória em 2033.