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Agenda antissistema do PT, governo Lula, não deve mudar arcabouço fiscal, sugere Cascione, da Eurasia


| Por: Leopoldo Vieira|

O PT está investindo novamente em uma agenda antissistema com forte apelo popular, mas, apesar disso, o governo Luiz Inácio Lula da Silva não deve mudar o arcabouço fiscal, mesmo que amplie gastos buscando a reeleição. Isso porque a popularidade do presidente está em recuperação, o que dá mais confiança para ele manter a rota sem a urgência de gastos novos fora do teto.

Essa é a avaliação de Silvio Cascione, head no Brasil da Eurasia Group, pioneira e maior consultoria de risco político do mundo, em entrevista à minha coluna no Faria Lima Journal.



(Ricardo Stuckert/PR)

Para Cascione, o foco da sociedade nas eleições de 2026 vai depender do desempenho da campanha dos principais presidenciáveis. “Com esses temas de segurança pública e economia, os dois lados têm condições de mexer com a emoção dos eleitores, provocando medo, raiva, esperança e ganhar pontos entre os indecisos”, disse o analista, cuja atividade é direcionada a orientar grandes investidores e empresários.

Nos últimos dias, Lula sancionou a reforma do Imposto de Renda (IR), prometendo avançar para medidas como isenção do IR para a participação de trabalhadores nos lucros das empresas (PLR), fim da escala de trabalho 6×1 e tarifa zero no transporte urbano, caso seja reconduzido ao cargo, enquanto o campo do centro e da direita tenta desgastar o governo com a pauta da segurança pública — movimento que sofreu um revés com a ligação entre Lula e o presidente americano Donald Trump, na qual combinaram uma cooperação entre Brasília e Washington no combate ao crime organizado.

Porém, assim como Luis Stuhlberger, conhecido como “rei da Faria Lima”, Cascione prevê uma disputa acirrada entre Lula e seu opositor. Quanto a isso, ele aponta que o nome que tiver o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro deve sair com uma vantagem grande para ir ao segundo turno. Recentemente, uma pesquisa AtlasIntel indicou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, como voo solo do clã, e o governador paulista Tarcísio de Freitas, opção preferida do Centrão e da Faria Lima, teriam 47% das intenções de voto em um segundo turno contra Lula, que venceria qualquer um dos dois com 49%.

O head da Eurasia não acredita que o Centrão e o lulismo devam ser a próxima versão da polarização política brasileira, como avaliam outros analistas. “O Centrão não tem base social e também não vai se tornar um bloco antipetista coeso. Ser antipetista iria contra a própria natureza do Centrão, de privilegiar o clientelismo local, negociando com quem estiver no governo”, afirmou, sugerindo que o contraponto ao bloco, da esquerda à direita, rende votos.

AGENDA EM DISPUTA

Sobre as contas públicas — uma razão pela qual o dinheiro nunca dorme no País —, Cascione recomenda reconhecer que um ajuste é necessário, antes de elencar preocupações com as pressões fiscais decorrentes da crise climática, da Nova Guerra Fria, do envelhecimento populacional e do risco de cortes em direitos sociais desgastar ainda mais o sistema político, aprofundando o sentimento antissistema — o que é visto como combustível para o que economistas do mercado financeiro consideram populismo.

Ele alerta que é preciso debater a composição e a intensidade desse ajuste, mas ressalta que vê espaço para mudanças nas políticas sociais, pois cresceram de forma desordenada, especialmente na pandemia de Covid-19 — quando ideias negacionistas do ex-presidente Jair Bolsonaro contribuíram para aprofundar seus impactos sociais e econômicos, de acordo com especialistas.

Cascione também defende discutir com maturidade um ajuste nas regras de educação e saúde, definindo o crescimento desses gastos em harmonia com o arcabouço fiscal, que, para ele, ajudou a disciplinar o Executivo e o Legislativo. Com racional semelhante, Stuhlberger defende que a Previdência passe a ser reajustada pela inflação, propondo que Lula faça esse gesto ao mercado caso seja reconduzido. Outros financistas, como Carlos Kawall, criticam desde 2021 o peso das emendas parlamentares para a sustentabilidade das contas públicas.

“O maior risco é evitar esse debate e deixar a bomba fiscal estourar. É nessas horas de crise que o sentimento antissistema mais se alastra”, concluiu Cascione.

Nesta quinta-feira, em um discurso interpretado como fortemente antissistema, o presidente Lula disse que discorda das emendas impositivas, principal fonte de poder do establishment do Congresso, apontando que, com elas, os parlamentares ficam com 50% do orçamento da União, o que classificou como “sequestro” e “grave erro histórico”. O petista defendeu ainda a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, em contraste com legisladores e juízes que atuam viajando, por celular e remotamente. Também acusou a Faria Lima de se preocupar apenas com seus interesses e ter como foco único o déficit fiscal, criticando novamente considerar investimentos sociais como gastos. No entanto, o déficit de seu governo deverá ser cerca de 70% menor do que na gestão anterior, segundo autoridades econômicas.