O anúncio de uma cooperação entre Brasil e Estados Unidos no combate ao crime organizado, combinada entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, e um movimento pelo endurecimento de punições para violência contra a mulher reposicionam o governo, com vantagem competitiva, na disputa pela narrativa da segurança pública, podendo neutralizar a reação da oposição ao favoritismo do petista por meio dessa pauta.
A cooperação, defendida por Lula, foi acordada com Trump em ligação realizada nesta terça-feira. Eles terão novos encontros em breve para avançar nesse tema e na negociação tarifária entre Brasília e Washington, cujas sobretaxas já começaram a ser flexibilizadas.
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O cenário permite que o governo mobilize a expectativa da sociedade pelos próximos capítulos da parceria entre o petista e o republicano, uma novidade em contraste com as soluções conhecidas apresentadas pela centro-direita. Além disso, com o arrefecimento do impacto inicial da operação policial no Rio de Janeiro, avançaram outras ações com foco no “andar de cima” do crime organizado, como no caso Refit. Lula mencionou a Trump as iniciativas brasileiras com esse enfoque, que tende a predominar na cooperação bilateral — ainda que inicialmente na forma de planos —, o que deve fortalecer a visão do presidente. A perspectiva é agir em frentes como lavagem de dinheiro, recuperação de ativos no exterior e controle de armas. Lula pediu a Trump que capture integrantes brasileiros de facções criminosas com atuação nos EUA, o que vai ao encontro de abordagens defendidas, no nível doméstico, pelo americano, aumentando a “química” entre eles, que pode ser um aditivo de otimismo eleitoral favorável ao presidente, ao lado do início do ciclo baixista da taxa Selic.
O gesto também esvazia a tentativa da oposição de atrair a Casa Branca para uma intervenção na política interna contra o Planalto, como por meio da busca, sem êxito, de aprovar a classificação de organizações criminosas como terroristas — conceito próximo ao de “narcoterroristas” utilizado pela administração Trump. A ligação, por fim, amplia a credibilidade do Executivo na antessala da votação do Marco Legal do Crime Organizado no Senado, quando o governo espera recuperar pontos centrais do Projeto Antifacção, alterado pela Câmara, e proteger suas posições na análise da “PEC da Segurança” pelos deputados.
MULHERES NO CENTRO DA PAUTA
Em paralelo, o chefe do Poder Executivo, atendendo a apelos da primeira-dama, Janja da Silva, propôs punições mais duras para a violência contra a mulher, sobretudo o feminicídio. Lula mencionou casos como o atropelamento que levou à amputação das duas pernas de Tainara Souza Santos, após ser arrastada por 1 km em São Paulo.
“O Código Penal Brasileiro tem pena para fazer justiça a um animal irracional como esse? (…) Porque, pensando bem, não existe pena, não existe pena para punir um cara desse, porque até a morte é suave”, questionou o petista. Recentemente, o governador paulista, Tarcísio de Freitas, sugeriu a adoção da prisão perpétua no Brasil. Alguns especialistas "linha dura" sugerem a discussão de medidas reversíveis como a castração química para, além de pedófilos e estupradores, feminicidas e condenados pela Lei Maria da Penha que não possam mais apelar de sentença.
De acordo com dados da Justiça Eleitoral, as mulheres são a maioria do eleitorado brasileiro e, conforme pesquisas de intenção de voto, compõem a base fiel do presidente, o que projeta uma tendência de consolidação e ampliação desse apoio.
No mesmo dia em que o mercado financeiro reagiu positivamente a uma pesquisa mostrando competitividade de Tarcísio para 2026, a ligação para Trump, assim como o reposicionamento do discurso sobre as mulheres, demonstrou a capacidade de reação do presidente, articulando o tabuleiro externo e interno.
Em tempo: após marcar a sabatina do indicado de Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), Jorge Messias, para 10 de dezembro — manobra interpretada como tentativa de limitar o tempo de articulação governista —, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, voltou atrás e adiou a data. Com isso, entregou a Lula um início de semana, a primeira do último mês do ano, com uma virada política relevante, na esteira da repercussão da sanção da reforma do Imposto de Renda (IR), com defesa de isenção para a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e redução da jornada de trabalho.