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Condenação de Bolsonaro aprofunda disputa na direita, mas permite repactuar estabilidade


| Por: Leopoldo Vieira |

A disputa no campo do centro e da direita deve se intensificar na próxima semana em torno de uma anistia "light", como defende o Centrão, ou ampla, como deseja a Casa Branca, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-integrantes da cúpula militar, em julgamento considerado histórico nesta quinta-feira. A partir de agora, estará à prova a resiliência da cúpula do Congresso Nacional e de seu bloco dirigente, o Centrão, diante da inegável influência da família Bolsonaro em Washington e dos cálculos da oposição, que mapeou cerca de 300 votos favoráveis à medida expandida na Câmara dos Deputados. 


(Sergio Lima/AFP/Reprodução)

As articulações no Parlamento buscam aprovar uma anistia, por ora com viés favorável, em conjunto com a ampliação da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. O movimento é interpretado como tentativa de fazer o Palácio do Planalto aceitar —  e se desgastar com —  um arranjo que visa beneficiar a candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. A partir de segunda-feira, ele estará em Brasília para negociar o alcance do projeto com legisladores aliados. Na terça-feira, o colégio de líderes definirá a pauta da semana.

A solução sinalizada pelo relator da reforma do IR e ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, agrada uma parte dos grandes investidores, que veem o Executivo encurralado entre ganhar uma bandeira para 2026, mas ter de concordar com uma medida que, segundo agentes da Faria Lima, fortaleceria uma tendência de mudança de governo amigável a seus interesses. A fórmula é avaliada por empresários como "pragmática" para aliviar as tarifas e sanções contra a economia brasileira. No entanto, embora possa ser útil ao Centrão e ao establishment econômico prolongar a interdição de Bolsonaro, as mensagens vindas de Washington sugerem ser improvável aceitar uma anistia que exclua o ex-presidente.

A POLÍTICA COMO GUERRA POR OUTROS MEIOS

Se for aprovada na Câmara, a anistia, "light" ou ampla, terá de passar em seguida pela confirmação do Senado. A Casa Alta, que elabora um texto alternativo focado apenas na dosimetria das penas, poderia alterar e devolver aos deputados um texto como defendido pelos bolsonaristas, o que atrasaria o processo. Mesmo que seja superada no processo legislativo, a anistia passará pela revisão constitucional do STF, que já indicou maioria contrária. Este trajeto não deve ser um "céu de brigadeiro", mas permeado por disputas políticas, regimentais e jurídicas, além do próprio ritual de prisão do ex-presidente, recursos contra as sentenças, e da perda de patentes militares dos condenados no Superior Tribunal Militar (STM). 

O presidente Lula promete tentar barrar qualquer proposta de anistia. Ele registrou o maior patamar de sua aprovação neste ano nas pesquisas, após uma recuperação parcial com a bandeira da justiça tributária, que foi agitada para equilibrar o jogo de forças com o Congresso. Em paralelo, outros levantamentos recentes reforçaram que o Legislativo se mantém com a menor credibilidade entre os Poderes, sendo o pior avaliado pela opinião pública, o que ocorre em meio ao efeito limitado do tarifaço sobre as condições de vida da população e ao baixo impacto fiscal do pacote de apoio às empresas afetadas. 

Assim, podem pesar na decisão dos chefes do Parlamento, antes da perspectiva de poder associada a Tarcísio e do assédio americano, interesses eleitorais paroquiais, investigações policiais e o uso de instrumentos de governabilidade, ainda que sob novas regras de transparência e rastreabilidade, que os fortaleçam. Neste contexto, há apostas de que o governo Donald Trump pode direcionar novas sanções aos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, além das já esperadas contra ministros do STF. O empresário Otávio Fakhoury explicou que o ministro Luiz Fux, que votou alinhado aos EUA, revisou sua posição sobre a competência da Corte após reuniões com autoridades do Departamento de Estado, no primeiro semestre. 

A HORA DA VERDADE

Bolsonaro é apontado por lideranças políticas, cientistas e entidades civis como responsável por cerca de 700 mil mortes durante a pandemia de Covid-19, o que lhe rendeu uma acusação de genocídio. As consequências sociais, econômicas e fiscais de suas posições, classificadas como negacionistas e antissanitárias, foram vistas por analistas como decisivas para o retorno de Lula ao poder, em uma das maiores reviravoltas da história política brasileira. 

Para lideranças parlamentares, a decisão a ser tomada é se o País deve virar a página para se concentrar na redução dos juros, abrindo espaço para uma disputa democrática entre projetos —  "pobres no orçamento, ricos no imposto de renda" (Lula) vs. "é o mercado que vai proporcionar a redução das desigualdades” (Tarcício) — ou se arriscará a estabilidade, renovando um conflito político que se arrasta, pelo menos, desde 2013. 

Especialistas, como Steven Levitsky, defendem que visões de diferentes espectros, inclusive rivais, unam-se para isolar atores antidemocráticos. Em palestra recente no Senado, o coautor de "Como as Democracias Morrem" recomendou que partidos de centro e centro-direita evitem normalizar o extremismo político em troca de ganhos de curto prazo, o que pode ser uma saída para restabelecer um ambiente doméstico mais previsível, apesar do lobby do clã Bolsonaro junto à Casa Branca. Contudo, isso dificilmente tiraria do radar um perdão ou anulação do julgamento como promessa para mobilizar a direita em 2026, em caso de mudança de governo ou para tentar impor a agenda fiscal do mercado a partir de 2027, mesmo com o presidente Lula reeleito.