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Feed da Semana: Lula aposta em classes médias, trabalhadoras contra ofensiva pela anistia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva direcionou seu discurso de 7 de Setembro às classes médias e trabalhadoras, apontando nelas o núcleo de apoio à defesa da bandeira nacional e da estabilidade institucional. A estratégia se contrapõe ao avanço do sistema político e do establishment econômico na articulação de uma anistia aos réus do 8 de Janeiro. A medida patrocinada pelos Estados Unidos é vista como essencial para viabilizar a candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e para reposicionar a Casa Branca a favor dele nas eleições de 2026.

"A soberania está na defesa da democracia e no combate à desigualdade, a todas as formas de privilégios de poucos em detrimento do direito de muitos. Se temos direito a essas políticas públicas, é porque o Brasil é um país soberano e tomou a decisão de cuidar do povo brasileiro. Um país soberano é um país que zera o Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil enquanto taxa os super-ricos que hoje não pagam quase nada"  —  afirmou Lula, em pronunciamento em rede nacional, neste sábado.


(Ricardo Stuckert/PR)

Na prática, o presidente ampliou o conceito de soberania, mostrando que ele não se restringe à diplomacia, à balança comercial ou às Forças Armadas, mas se manifesta no cotidiano: quando a população se reconhece como beneficiária de políticas redistributivas, não somente como pagadora de impostos, e quando percebe essas melhorias como possíveis graças à democracia e à justiça tributária. Essa linha tem ajudado Lula a equilibrar forças com o Centrão e o mercado financeiro, recuperando competitividade para 2026.

Neste sentido, o Desfile Cívico-Militar ressaltou expressões do compromisso democrático, como a memória dos combatentes contra o nazifascismo na Segunda Guerra, da proteção às riquezas nacionais, como os brigadistas florestais do Ibama, e do bem-estar social, como a força-tarefa do SUS, estudantes do programa Pé-de-Meia e atletas paralímpicos beneficiados por iniciativas públicas.

Na semana anterior, autoridades americanas orientaram empresários, que estiveram em Washington para tentar reverter o tarifaço, a concentrar o lobby em Brasília pela aprovação da anistia. A proposta pode ser pautada antes mesmo da reforma do Imposto de Renda, de acordo com parlamentares envolvidos nas tratativas. Para aumentar a pressão, o presidente dos EUA, Donald Trump, chamou o governo brasileiro de "esquerda radical", termo que ele costuma usar contra opositores que pretende subjugar.

DE VOLTA A 2014?

Ao mobilizar classes médias e trabalhadoras, o presidente também sinalizou a empresários e investidores que não depende somente deles para sustentar o embate. Na sexta-feira, Tarcísio falou na Bolsa de Valores, de onde defendeu a iniciativa privada como motor da transformação e o mercado como o instrumento para a redução das desigualdades, apontando o cerne de sua eventual gestão.

As falas de Lula na véspera do Dia da Independência e de Tarcísio na B3 indicam que as principais forças políticas, sociais e econômicas se movem para acumular apoios em 2026, mas há dúvidas se projetam um cenário que pode resultar em desfecho incerto ou em renovação do pacto democrático. 

Já circulam previsões de uma disputa acirrada, porém seguida de um prolongado tensionamento em formato de “terceiro turno”. Um cenário semelhante a 2014, entretanto, sob o contexto de esgotamento do arcabouço fiscal a partir de 2027, conforme cálculos da Faria Lima, o que tende a intensificar o clima de “nós contra eles” e a instabilidade institucional. 

No pronunciamento, Lula demonstrou que pretende dobrar a aposta em sua plataforma de “pobres no orçamento e ricos no imposto de renda”, mas repaginada como eixo da “credibilidade, previsibilidade e estabilidade” necessárias para a defesa nacional. 

Para analistas, é provável que a única alternativa ao prolongamento do conflito seja um novo pacto fiscal que concilie austeridade, prerrogativas dos Poderes, demandas sociais e pressões climáticas, aliado a um consenso nacional atualizado sobre o lugar geopolítico do Brasil. Afinal, até as percepções sobre os EUA ou a China estão recortadas pela polarização política e social, segundo pesquisas recentes.

MANIFESTAÇÕES PELO PAÍS

Nos embates travados nas ruas, neste 7 de Setembro, as mobilizações de direita suplantaram as de esquerda, sobretudo no centro econômico do Brasil, a cidade de São Paulo: 42 mil vs. 9 mil, segundo dados da USP. 

Lideranças como Tarcísio, a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro e o senador Flavio Bolsonaro defenderam a votação da anistia, denunciaram um cerco judicial e insistiram na candidatura do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2026, o que muitos especialistas afirmam ser um jogo de cena. 

Todavia, nas redes sociais, o ex-Casa Civil de Bolsonaro, senador Ciro Nogueira, afirmou que toda a decisão passa pelo ex-presidente e que seus filhos o seguirão. Está em disputa se o anúncio de apoio a Freitas será ainda neste ano ou apenas em março, e se a anistia será mera agitação, "light" ou "ampla, geral e irrestrita".

O uso ostensivo de uma bandeira americana em manifestações da direita revelou uma cena moldada para demonstrar gratidão à interferência da Casa Branca no processo, instigando Washington a não recuar em uma semana vista como decisiva para o desfecho do julgamento dos réus do 8 de Janeiro no Supremo Tribunal Federal (STF).

A ausência de ministros da Corte no Desfile da Independência buscou passar a imagem de independência institucional em relação ao Executivo, conforme parece ter sido combinado entre os magistrados, o que não impede o entendimento de que houve uma desmobilização. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, por exemplo, preferiu acompanhar o dia fora da capital federal. Presente, o presidente da Câmara, Hugo Motta, foi pressionado tanto pela anistia quanto para barrá-la.

Na Argentina, o presidente Javier Milei perdeu as eleições regionais para o peronismo em Buenos Aires, uma província estratégia para a sucessão na Casa Rosada. Milei é um aliado de Trump e Bolsonaro, além de sua gestão ser considerada como uma das vitrines dos novos governos de direita amigáveis ao mercado.

AGENDA POLÍTICA E ECONÔMICA

Nesta semana, volta ao radar a articulação do governo Lula pela votação da Reforma do Imposto de Renda e da chamada PEC da Segurança Pública, mas também os debates sobre a anistia. No calendário econômico, a expectativa é pela confirmação de mais um cenário favorável à redução da taxa Selic pelo Banco Central (BC), inclusive devido à tendência de cortes nos EUA, e quanto ao prazo para esta queda: se no final do ano ou começo do próximo. Confira o calendário:

Segunda-feira: A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, comanda uma reunião com outros auxiliares do presidente Lula para tentar organizar a agenda prioritária. O governo Lula também deve começar a pagar as "emendas pix", levando recursos a milhares de prefeituras e melhorando o ambiente de governabilidade, já sob as novas regras do STF. Os países dos BRICS fazem reunião virtual para discutir tarifas, COP30 e outras agendas de interesse comum. Um novo Boletim Focus traz previsões do mercado para dólar, juros, inflação e crescimento econômico.

Terça-feira: Reunião do colégio de líderes da Câmara, que baterá o martelo sobre a pauta da semana. Retomada e reta final do julgamento de Bolsonaro e o núcleo central da trama golpista no STF. As Nações Unidas inicia sua 80a Assembleia Geral, com chance da delegação brasileira ser limitada pelos EUA, ampliando o conflito com o Brasil.

Quarta-feira: Divulgação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto, visto como índice oficial de inflação do Brasil, com expectativa de deflação de 0,17% no mês, conforme o Bradesco. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) também apresenta a primeira prévia do Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) de setembro, o indicador da variação de preços em diversos setores da economia brasileira. Continuidade do julgamento de Bolsonaro. Parlamento vota sua pauta semanal.

Quinta-feira: Saem dados de vendas no varejo de julho, enquanto prossegue o julgamento de Bolsonaro. Parlamento ainda pode votar o restante de sua pauta semanal.

Sexta-feira: O IBGE publica a Pesquisa Industrial Mensal Regional e a Pesquisa Mensal de Serviços de julho, com variação modesta de 0,1% — dados fundamentais para avaliar o ritmo da atividade econômica no terceiro trimestre. Acontece sessão extra prevista para o julgamento de Bolsonaro.