Uma anistia aos réus envolvidos na tentativa de golpe violento de Estado de 8 de janeiro deve ser pautada com viés de aprovação pelo Congresso nas próximas semanas. A medida abre um novo capítulo de incerteza na disputa política brasileira, apesar da oposição contundente expressa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Em declaração ontem, no início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, Moraes sinalizou uma condenação severa e indicou a possibilidade de uma maioria consolidada na Corte para bloquear qualquer perdão ou indulto — promessa já feita pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, caso chegue ao Palácio do Planalto no próximo ano.
A anistia já conta com maioria no plenário da Câmara dos Deputados e, segundo relatos da imprensa, ganhou força no colégio de líderes da Casa, responsável por definir a pauta de votações. Freitas articulou pessoalmente a proposta junto a partidos do Centrão, como União Brasil e Progressistas, que se afastaram do governo Lula. Republicanos e PSD também aderiram ao projeto, aguardando apenas o momento considerado politicamente adequado para formalizar apoio.
(Ton Molina/STF)
Estabelecendo limites para o nível das negociações políticas, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que respeita a decisão do União Brasil e Progressistas, mas que, para ficar, é preciso compromisso com as principais bandeiras do governo Lula, citando a justiça tributária, democracia, Estado de Direito e soberania nacional, além de trabalhar junto para aprovar estas pautas no Congresso.
SINAIS E PRESSÁGIOS
O sinal de inflexão veio do mercado financeiro. Nesta terça-feira, o Ibovespa fechou em queda de 0,67%, aos 140.335 pontos. O dólar comercial subiu 0,65%, cotado a R$ 5,474, e os juros futuros avançaram em toda a curva. O movimento refletiu temores de agravamento das relações Brasil–EUA, em meio ao início do julgamento de Bolsonaro e às apostas em uma condenação quase certa. Em paralelo, bancos brasileiros receberam notificações do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sobre a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes. No radar, também está a possibilidade de tarifas e novas sanções americanas devido à importação de diesel e fertilizantes russos, além de punições a autoridades brasileiras associadas ao processo de Bolsonaro.
Até o momento, o Centrão negociava uma anistia “light” ou moderada, em articulação conjunta com o Senado e até mesmo em diálogo com setores do STF. O presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, chegou a sinalizar a apresentação de um texto alternativo que reduza penas sem conceder perdão integral aos condenados. Esse formato, contudo, não afastaria a possibilidade de incluir Bolsonaro entre os beneficiários, caso sua condenação se concretize.
Esse cenário pode abrir espaço para uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, defendida pela Casa Branca, que poderia intensificar a pressão sobre o Congresso para ampliar o escopo da medida. Analistas apontam dúvidas sobre a capacidade do presidente da Câmara, Hugo Motta, e do próprio Alcolumbre em resistir a pressões do mercado, de empresários e de Washington. Nesse contexto, ambos poderiam se tornar agentes de uma aliança estratégica entre o clã Bolsonaro, o Centrão, a Faria Lima e a Casa Branca, com vistas a enfrentar a tentativa de reeleição de Lula. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, classificou a articulação como um novo golpe em andamento.
EMBATES À VISTA
Em contraponto, o presidente Lula convocou para a próxima segunda-feira uma reunião virtual com líderes do BRICS. O objetivo é discutir as tarifas americanas e reforçar a cooperação entre as principais economias emergentes, em defesa do multilateralismo. Trata-se de uma busca por retaguarda internacional diante das pressões de Washington. Ontem, a China realizou o maior desfile militar de sua história, em uma exibição destinada a reafirmar seu crescente poder bélico e influência geopolítica. O presidente Xi Jinping declarou que a humanidade se encontra diante de uma encruzilhada decisiva: a escolha entre a paz ou a guerra.
Enquanto isso, o julgamento de Bolsonaro prossegue nesta quarta-feira, em um ambiente que já encoraja setores da direita política, social e financeira em defesa da anistia. A eventual liberdade de Bolsonaro, mesmo inelegível, pode se tornar a moeda de troca para consolidar o apoio de seu grupo à candidatura de Tarcísio, reposicionando o tabuleiro político para 2026.
Por outro lado, a Eurasia Group, maior consultoria global de risco, vê equívocos do mercado em suas apostas por Freitas em 2026 e avalia que a eleição presidencial será estruturalmente disputada em "50%-50%", mas com um cenário favorável a Lula, o que é sustentado pelo atual nível de aprovação do governo, pela queda da inflação de alimentos e pelo avanço da reforma do Imposto de Renda. De qualquer forma, o início do julgamento de Bolsonaro já tensiona a travessia da rua da soberania para a da anistia.