| Por: Leopoldo Vieira |
A acusação de líderes do Centrão de que a base governista entregou menos votos do que o esperado para a aprovação da chamada “PEC da Blindagem” na Câmara dos Deputados pode ser vista como um pretexto do bloco para avançar, à revelia do Palácio do Planalto, no roteiro para a aprovação de uma anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro. A PEC limita a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra parlamentares, em linha com o acordo em duas etapas que pôs fim à obstrução da oposição semanas atrás: primeiro, limitar o poder da Corte sobre congressistas; depois, com eles já sem medo da Justiça, votar o perdão.
A versão provável é a “light”, como eu e o Machado da Costa dissemos em 12 de agosto: o ex-presidente Jair Bolsonaro permaneceria inelegível, mas teria um relaxamento de pena, sendo poupado da prisão na Papuda, ou até receberia um perdão criminal. Para 49% dos brasileiros, a sentença de Bolsonaro é exagerada, enquanto 47% apoiam a manutenção de sua inelegibilidade, de acordo com pesquisa Quaest divulgada nesta quarta-feira, o que sugere respaldo social ao movimento do campo do centro e da direita.
Repetindo uma justificativa tradicional — hoje falaciosa diante da hipertrofia das emendas parlamentares — o Centrão acusou o governo de falta de diálogo com a Câmara, mesmo em uma pauta que, conforme líderes, valoriza o Legislativo. No entanto, a "PEC da Blindagem" foi priorizada, em novo ataque relâmpago, em detrimento de projetos populares, como a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil e a redução da conta de luz para famílias de baixa renda, que agora pode ser alvo de bloqueio da oposição e do bloco, alegando a baixa entrega governista.
(Evan Vucci/AP)
CADA PODER COM "SEUS DESGASTE"
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nome apoiado pelo establishment político e econômico para 2026, disse que o objetivo de sua viagem a Brasília foi cumprido com a decisão do colégio de líderes de pautar a anistia. Em paralelo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve se manifestar em cinco dias sobre representação do deputado Rui Falcão, que o acusa de obstrução judicial por ter defendido a medida em ato bolsonarista, com bandeira americana, no Dia da Independência. Isso aponta que "checks and balances" podem ser impostos para Tarcísio utilizar eleitoralmente o extremismo político.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou nas redes sociais que a "PEC da Blindagem" é uma pauta do próprio Legislativo e não está sujeita a veto presidencial. O gesto foi interpretado como sinal de endosso à autonomia dos Poderes, transferindo ao Congresso o desgaste político de uma medida impopular. Lula também reforçou isso ao declarar que a “bola” estava com o Parlamento, quando enviou ao Legislativo a Medida Provisória (MP) do “Plano Brasil Soberano”, voltada ao apoio de empresários afetados pelo tarifaço americano. Analistas avaliam que, ao se distanciar da proposta, o presidente pode capitalizar o latente sentimento antissistema e antiestablishment da população.
TIMING É TUDO
O Planalto tenta barrar o requerimento de urgência da anistia, entretanto o desfecho é incerto, conforme articuladores do Parlamento. Caso a votação de mérito seja adiada para a próxima semana, novas sanções da Casa Branca podem pressionar pela versão mais expandida do perdão, não somente com a reforma da dosimetria das penas. De Washington, o novo líder da oposição na Câmara, deputado Eduardo Bolsonaro, reforçou a linha dura da oposição ao descartar soluções intermediárias. Enquanto isso, o ex-presidente passou a noite internado em Brasília por mal-estar, fato que reacendeu a atenção de aliados e de seu eleitorado fiel.
Assim, a reforma do IR pode ficar para depois da conclusão da "PEC da Blindagem" e da análise da anistia. Apesar do desgaste político no Congresso, Lula manteve seu patamar de popularidade, segundo a Quaest, o que sustenta sua posição de favorito, ainda que levemente, para 2026. O levantamento mostrou que 64% apoiam sua postura na defesa da soberania diante de pressões dos Estados Unidos, sinalizando que, por ora, o presidente continuará colhendo dividendos políticos ao explorar a defesa da bandeira nacional, mesmo com — e por causa do — eventual avanço da anistia. Afinal, maioria de 41% é contra um perdão para todos, incluindo Bolsonaro.