Pular para o conteúdo principal

Decisão de Dino pode reacender clima antibolsonarista da pandemia, inclusive no ciclo eleitoral


| Por: Leopoldo Vieira |

A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de abrir um inquérito com base no relatório final da "CPI da Covid" contra Jair Bolsonaro, seus filhos e alguns aliados pode reativar na sociedade um sentimento de déjà-vu do clima antibolsonarista vivido durante a pandemia — inclusive em plena disputa pelo Palácio do Planalto em 2026. A medida, se explorada corretamente pela política governista e petista, pode fortalecer a motivação para derrotar o ex-presidente e seu clã, além de reavivar denúncias de corrupção associadas às emoções negativas daquele período — como luto, medo, raiva e desamparo, segundo especialistas.

Dino deu prazo inicial de 60 dias para que a Polícia Federal (PF), na prática, aprofunde investigações sobre crimes contra a humanidade, fraudes em licitações, superfaturamento, contratos com empresas de fachada, desvio de recursos públicos e incitação da população a condutas consideradas negacionistas e antissanitárias. Essas condutas, incentivadas pela chamada "ala ideológica", foram indicadas como determinantes para as cerca de 700 mil mortes por Covid-19, em um contexto — agravado pelas escolhas presidenciais —  que devastou empresas, condições de vida e alimentou a crise de saúde mental que atualmente atinge as classes médias e trabalhadoras. O relatório da CPI, em 2021, havia pedido o indiciamento de autoridades, políticos, ex-ministros, empresários e influenciadores digitais.

Durante a pandemia, a popularidade de Bolsonaro despencou, forçando-o a compor uma coalizão com o Centrão, que assumiu o comando da articulação política, da coordenação governamental e da alocação de recursos via emendas secretas. O mecanismo posteriormente foi proibido pelo STF, sendo avaliado por economistas como central para a ruptura do Teto de Gastos, aprovado no governo Michel Temer, e para o avanço do Parlamento sobre as prerrogativas do Poder Executivo. 


INSTABILIDADE INSTITUCIONAL

A resistência de Bolsonaro sustentou-se em seu eleitorado mais fiel, mobilizado por ataques vistos como antidemocráticos aos Poderes, governadores e discursos ideológicos radicais. Como estratégia, o então presidente alternava momentos de tensão e distensão institucional, estressando os freios e contrapesos da democracia liberal e criando impasses para a votação da pauta econômica esperada pela Faria Lima.

As cenas de Bolsonaro debochando de mortes e atrasando a compra de vacinas, ao mesmo tempo em que incentivava seus apoiadores a desobedecer medidas sanitárias, chocaram o país e foram amplamente repercutidas pela imprensa e nas redes sociais. Para analistas, esse foi um ponto de virada para o deslocamento de agentes econômicos — os farialulers — e do centro democrático, representado historicamente por partidos como o PSDB e por lideranças como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em torno da frente ampla com o candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

"RISCO COVID"

Especialistas sugerem que tanto o inquérito de Dino quanto as operações contra postos de combustíveis, empresas e fundos de fachada ligados ao crime organizado têm potencial para se expandir fora do controle. Apesar de parecer uma reação pontual à aprovação da "PEC da Blindagem" e à urgência para a anistia aos condenados e réus do 8 de Janeiro, a medida pode enfraquecer o peso eleitoral do bolsonarismo, criar um “cordão sanitário” entre a direita bolsonarista e o centro político, e ainda fortalecer a imagem do STF. O principal efeito a ser monitorado, contudo, é o possível realinhamento do eleitorado democrático de centro em torno da reeleição lulista, à medida que o extremismo político for sendo isolado, caso se confirme esta tendência.

O inquérito tende a ser explorado por grupos identificados como porta-vozes do establishment "liberal na política e na economia", como Globo, e o roteiro a ser traçado por Dino poderá ter impacto negativo no desempenho do candidato apoiado por Bolsonaro contra o presidente Lula, com efeitos potencialmente maiores do que se pode observar no cenário imediato.