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Para falar em JK, Tarcísio precisa renunciar ao extremismo, sugere Dirceu


| Por: Leopoldo Vieira |

O pré-candidato à Presidência em 2026, Tarcísio de Freitas, foi "aconselhado" pelo ex-ministro José Dirceu a abandonar o extremismo político, após defender a anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro mas se comparar ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, prometendo realizar uma gestão de “40 anos em 4” — referência ao lema da campanha eleitoral de JK nos anos 1950. Recentemente, o governador de São Paulo apareceu usando um boné com o slogan “Make America Great Again”, símbolo do movimento político em torno do ex-presidente americano Donald Trump. Os episódios ocorrem em meio ao tarifaço e às sanções impostas pelos Estados Unidos ao Brasil, que Washington confirma terem a intenção de impor um perdão a Jair Bolsonaro.

“Qual Tarcísio de Freitas está valendo? O que recorre ao slogan de JK, ancorado no nacionalismo e no desenvolvimento soberano do país, ou o que sobe ao palanque de uma manifestação que, em plena comemoração da Independência, exibe mais a bandeira dos Estados Unidos do que a do Brasil? Você cedeu à tentação de pagar a fatura exigida pelo bolsonarismo. Assumiu abertamente o golpismo, o ataque à Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. (...) Tudo para obter a chancela de Jair Bolsonaro, de seus filhos e dos extremistas da direita mais radical à sua candidatura à Presidência”, criticou Dirceu, em carta endereçada ao nome predileto do establishment político e econômico para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no próximo ano.

Para o idealizador da Carta aos Brasileiros — documento considerado um pacto entre o futuro governo petista e o mercado financeiro em 2002 —, Tarcísio adere a um “vale-tudo” por “oportunismo eleitoral” ao “afrontar nossas instituições, nossa soberania e nosso ambiente democrático”. Segundo Dirceu, a comparação com JK é indevida porque o ex-presidente “enfrentou e resistiu a qualquer tentativa de golpe”, como em 1955, quando coube ao general Henrique Lott dar o contra-golpe que garantiu sua posse. Kubitschek morreu em um acidente em 22 de agosto de 1976, até hoje cercado de suspeitas e investigações que apontam para assassinato político durante a ditadura.


(Ciete Silverio/Esfera Brasil)

A ESCOLHA DE TARCÍSIO

Nesta segunda-feira, a expectativa estará voltada para as articulações do governador em Brasília, onde busca costurar um texto de anistia capaz de ser aprovado pelo Parlamento, prevendo perdão a Bolsonaro e a seus aliados condenados pelo STF. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, descartou apoiar uma anistia que não inclua o ex-presidente e indicou que a prioridade será aprovar o texto na Câmara dos Deputados já nesta semana, para concluir o processo em cerca de 30 dias. Valdemar acrescentou que qualquer definição sobre uma candidatura de Tarcísio só será tomada após esgotadas as tentativas de aprovar a anistia e que Bolsonaro terá a palavra final sobre o nome do candidato e do vice que representarão uma centro-direita unificada na disputa pelo Planalto.

Paralelamente, setores da Faria Lima já discutem o nome do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, como possível vice de Tarcísio, o que sinaliza para uma composição "puro-sangue" farialimer, enquanto o Centrão tenta articular uma chapa sem a participação formal da família Bolsonaro, conforme relatos da imprensa. Pesquisas recentes mostram que a maioria da população continua favorável à prisão do ex-presidente, contrária à anistia e mais receptiva ao governo Lula, que recupera popularidade.

Analistas avaliam que o protagonismo de Tarcísio na pauta da anistia pode desgastá-lo junto ao eleitorado de centro, embora reconheçam que sua viabilidade eleitoral depende do apoio do clã Bolsonaro. Para esses observadores, a polarização tende a ampliar sua rejeição, mas também consolidará seu papel como principal herdeiro do voto antipetista e antilulista — incluindo o núcleo duro do bolsonarismo, mesmo que Bolsonaro não lhe dê apoio formal. A estratégia, portanto, seria dialogar agora com o eleitorado mais radical e, em um segundo momento, tentar atrair setores moderados.

VISÃO DE DIRCEU É ATIVO ESTRATÉGICO

Especialistas lembram que a gestão de Jair Bolsonaro deixou um legado marcado por cerca de 700 mil mortes na pandemia de Covid-19, o que lhe rendeu acusações de genocídio. As consequências sociais, econômicas e fiscais de suas políticas, consideradas negacionistas e antissanitárias, foram decisivas para o retorno de Lula ao poder, em uma das maiores reviravoltas da história política brasileira.

Em 2018, Dirceu alertou que a cadeira presidencial “queimaria” Bolsonaro, prevendo a complexidade das decisões que o próximo presidente teria de tomar no início do mandato. De volta ao centro do palco no PT, após ter suas condenações anuladas por parcialidade e motivação política, o ex-ministro é visto como um dos maiores estrategistas do país e atuou como consultor de grandes empresas e investidores.

Diante desse quadro, o alerta de Dirceu — visto como árduo defensor do arcabouço fiscal e da indústria —  coloca Tarcísio diante de um dilema: colaborar com o isolamento do extremismo político e permitir que o país se concentre em temas como a redução dos juros, ou apostar na radicalização, arriscando prolongar o conflito político que se arrasta há mais de uma década.