As diferenças ideológicas não devem impedir a defesa comercial do Brasil diante do tarifaço americano, afirmou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, propondo que o governo Lula priorize acordos comerciais pragmáticos. A declaração ocorreu durante o lançamento do pacote em apoio aos exportadores afetados, colocado à disposição do Congresso Nacional no mesmo dia em que a Casa Branca anunciou sanções ao Poder Executivo brasileiro.
A Medida Provisória do chamado "Plano Brasil Soberano", elaborada sob coordenação do vice-presidente Geraldo Alckmin com escuta empresarial, prevê ampliar e diversificar parcerias comerciais, conceder R$ 30 bilhões em crédito subsidiado a exportadores mais afetados e autorizar compras públicas de produtos que perderam acesso aos Estados Unidos. Em contrapartida, cria-se a Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego para monitorar o impacto das tarifas, fiscalizar acordos e propor medidas de preservação de postos de trabalho.
(Reprodução/CanalGov)
No entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender uma resposta coordenada com os BRICS e a expansão da relação comercial com a China, posições que, apesar de serem pragmáticas, são vistas por grandes agentes econômicos como provocações à Casa Branca. O pacote inclui ainda ampliação do uso de fundos garantidores e aumento da devolução de tributos a micro e pequenas empresas para até 6%, a um custo estimado de R$ 9,5 bilhões, valor que o governo Lula quer retirar da meta de resultado primário, o que, a despeito de formalidades, pressiona a dívida.
Por volta das 15h40 de ontem, na cercania do anúncio, o Ibovespa caía 0,64%, aos 137.063 pontos, e o dólar subia 0,39%, a R$ 5,399, em sinal de desconfiança do mercado, que, assim como o Centrão, articula para 2027 uma gestão mais alinhada aos seus interesses, amigável à austeridade e às emendas parlamentares, segundo relatos que há muito tempo circulam na imprensa.
MAIS TEMPESTADE À VISTA? NÃO, A PRAZO.
Consumadas a queda da bolsa e alta do câmbio, o deputado Eduardo Bolsonaro celebrou as novas sanções, agora voltadas a servidores que atuaram no programa "Mais Médicos" como "um recado inequívoco" de que "nem ministros, nem burocratas dos escalões inferiores, nem seus familiares estão imunes". O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro disse que seguirá, nesta quinta-feira, com as agendas em Washington. Ele e o empresário Paulo Figueiredo estiveram com autoridades ligadas a Donald Trump para tratar de novas punições ao Brasil, que devem obedecer a um roteiro agendado de aplicações a cada reação de Brasília. O prazo provavelmente alcançará as eleições do próximo ano. Hoje, Eduardo voltou a sugerir que os chefes do Congresso "estão no radar".
Apesar da vitória governista no colégio de líderes da Câmara, na terça, avança o roteiro da anistia aos réus do 8 de Janeiro, com foco em manter a inelegibilidade de Bolsonaro mas livrá-lo da Papuda — como escrevemos eu e o Machado da Costa. Outros analistas veem baixas chances de um perdão "amplo, geral e irrestrito" ser encampado pelo Centrão. Em entrevista nesta quinta, negando a possibilidade de um "ataque relâmpago", o presidente da Câmara, Hugo Motta, revelou que um projeto auxiliar ao da anistia começou a ser discutido, mas que não seria "ampla, geral e irrestrita", pois não vê um ambiente para perdoar "quem planejou matar pessoas".
Motta relatou, contudo, que há entre os deputados uma preocupação com quem recebeu penas altas, que poderiam, com uma revisão jurídica, progredir para regimes mais brandos. Lideranças políticas temem que isso signifique abrir a porta para a intensificação da pressão da Casa Branca, enquanto defensores de Jair Bolsonaro já calculam a dosimetria de uma pena menor, baseada no argumento de que o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito absorve o de golpe de Estado. Pedirão que o ex-presidente não seja punido por todos os crimes.
CHECKS & BALANCES
Uma pesquisa Ipsos-Ipec, divulgada nesta semana revelou dados perigosos ao governo Lula: mesmo que 75% dos brasileiros acreditem que o tarifaço americano tem motivação política — o que significa somente que estão conscientes das razões — , somam 49% os que concordam totalmente (33%) e parcialmente (16%) com a medida adotada por Trump, perante 43% que discordam em parte (13%) e totalmente (30%). O estudo também aponta que a maioria dos brasileiros teme um isolamento internacional: 60%.
Ao assinar a MP, o presidente Lula afirmou que “gostamos de negociar, mas a soberania é intocável” e sinalizou ter cumprido a parte do Executivo no contexto da independência e separação dos Poderes, passando ao Legislativo a tarefa de prestar contas para a sociedade. “Meu caro Davi [Alcolumbre, presidente do Senado], meu caro Hugo Motta [presidente da Câmara dos Deputados], companheiros deputados e senadores, a bola está com vocês. Quanto mais rápido vocês votarem, mais rápido os prejudicados serão beneficiados.”, alertou Lula.
Motta respondeu, concordando com a CNI, que “há causas que devem transcender as preferências partidárias ou ideológicas”. Mas, segundo a imprensa, foi por medo de ser sancionado pelos EUA que encaminhou um Grupo de Trabalho para debater a "adultização" de crianças e adolescentes nas redes digitais, uma vez que várias propostas apresentadas por parlamentares endurecem as regras para as big techs. Esta é uma das razões alegadas pelos americanos para politizar o tarifaço e as sanções que minam o pragmatismo comercial.