Em um contexto decisivo para definir os rumos do Brasil no século XXI, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu seus 38 ministros, nesta terça-feira, no Palácio do Planalto, para revisar a agenda de governo, monitorar resultados e planejar os 16 meses restantes até as eleições de 2026.
PRINCIPAIS PLAYERS
O quadro aponta para mais uma eleição polarizada, provavelmente decidida por margem estreita entre esquerda e direita, refletindo todo o período de avaliação do atual governo, cuja dinâmica de aprovação vs. desaprovação tem sido recortada pela divisão política e ideológica.
Os principais jogadores devem ser: o presidente Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o mercado financeiro (Faria Lima), o grupo de empresários conhecido como PIB, o bloco parlamentar do Centrão (União Progressista, PSD, MDB, Republicanos) e a Casa Branca. Contudo, apenas Lula e Bolsonaro possuem força própria para chegar ou levar um nome ao segundo turno.
(Marcelo Camargo/Agência Brasil)
OS CENTROS E LULA
A diferença eleitoral não virá necessariamente do “centro”, que é múltiplo: inclui mercado e partidos clientelistas, alas moderadas da esquerda e da direita, além da classe média progressista, liberal, conservadora ou apolítica. Cada um desses segmentos possui perfis distintos, o que relativiza a ideia de que a vitória dependerá apenas de acenos à Faria Lima ou ao Centrão. Mas, por ora, postulantes como Ratinho Jr. (governador do PR, PSD), Ronaldo Caiado (governador de GO, União Progressista) e Romeu Zema (governador de MG, Novo) ainda tentam chamar atenção do eleitorado.
A candidatura à reeleição de Lula está definida, salvo eventual problema de saúde. Apesar do preconceito relacionado à idade, ele parte de uma aprovação em torno de 40-45%, que o coloca com leve favoritismo, beneficiado ainda pela “vantagem do incumbente”.
Seu desafio é fazer sua aprovação superar a desaprovação por tênue maioria - a ser depois convertida nas urnas, consolidando seu eleitorado fiel (trabalhadores, baixa renda, mulheres, católicos, negros) para aumentar sua capacidade de atração de aliados e reduzindo resistências em franjas adversárias, como: evangélicos moderados; setores do Centrão de regiões lulistas; e alas da Faria Lima alinhadas com investimentos ESG ou o investidor "sardinha", cerca de 5 milhões na B3, puxados pela classe trabalhadora que se beneficia da melhora econômica e da bolsa barata para se financiar.
O dilema central é que, mesmo com a retomada de programas sociais e com a melhora econômica - que asseguram o atual nível de popularidade - a desaprovação ainda supera a aprovação. Isso questiona dogmas como “é a economia, estúpido” (James Carville). Ainda assim, Lula conta com bandeiras fortes: justiça social e tributária contra os mais ricos, regulação das emendas parlamentares e das big techs, novos programas populares como Pé-de-Meia e Gás do Povo, propostas como a redução da jornada de trabalho (fim da escala 6x1), além da resposta às sanções e ao tarifaço americanos.
⬇️ O risco para ele está em concessões excessivas ao mercado, que pode desgastá-lo com seu eleitorado raiz, gatilhos de sentimento antissistema ou pressões externas que comprometam o processo democrático.
TARCÍSIO E A DIREITA
A candidatura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, possui preferência do Centrão e da Faria Lima, mas depende da definição de Bolsonaro. O ex-presidente pode lançar alguém da família, como o senador Flávio Bolsonaro, que teria maior trânsito na centro-direita. O clã conta com o apoio do presidente americano, Donald Trump, para manter a direita brasileira alinhada aos interesses de Washington. E Washington quer anistia a Bolsonaro e o fim das ações contra as plataformas digitais.
Freitas ou um Bolsonaro defenderiam uma agenda fiscal de austeridade, atingindo salário mínimo, previdência, assistência social e pisos constitucionais, além de retomar privatizações e reduzir o papel do Estado, em linha com o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente argentino, Javier Milei. O apoio parlamentar viria do Centrão, por meio da ampliação do controle sobre o orçamento via emendas. Ambos fomentariam a chamada pauta de costumes, a cultura conservadora, a “segurança dura” e medidas pró-jogatina (cassinos, privatização de praias). Neste último caso, há também apoio em franjas do lulismo, como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
⬇️ Os riscos incluem o desgaste com crimes policiais em São Paulo, a associação com o bolsonarismo-trumpismo, escândalos de corrupção no estado e a defesa de uma agenda ultraliberal em um país que envelhece e é marcado por crise de saúde mental, instabilidade política e exaustão social.
ECONOMIA E MERCADO
Favorecendo a reeleição de Lula, o Brasil pode começar a ter uma convergência entre queda da inflação, do dólar e dos juros, cujos patamares altos permitiram a atração de capital externo, o que também colaborou com o câmbio. As estimativas inflacionária passaram de 4,95% para 4,86% este ano, um movimento para a queda da Selic foi reforçado pela possível redução dos juros pelo banco central americano e o dólar pode cair para R$ 5,10 em seis meses, conforme relatórios de grandes agentes do sistema financeiro mundial.
As previsões de mercado apontam também a política como vetor de valorização da bolsa brasileira e de queda do dólar e dos juros, com o eventual avanço das chances de uma "mudança de regime" à direita. Esses ativos também podem oscilar, mas em direção contrária, com a manutenção da defesa da soberania nacional, ênfase no discurso social e crescimento de Lula nas pesquisas, ou com o prolongamento de um impasse na direita, o que pode incidir econômica e midiaticamente na campanha de reeleição do presidente.
Por outro lado, a Faria Lima prevê um "acerto de contas" fiscal a partir de 2027, o que inviabiliza uma agenda de consenso. Em contrapartida, a hostilidade do mercado impõe ao governo Lula se entrincheirar no campo social (ou "populista"), uma vez que, historicamente, a sustentação de gestões em tempos instáveis se deu por meio da manutenção de uma popularidade com pelo menos dois dígitos.
NOVA GUERRA FRIA, APOCALIPSE REAL
As eleições de 2026 ocorrerão sob a sombra da Nova Guerra Fria, da crise climática, de uma onda eleitoral amigável ao mercado no continente e hostilidade americana à população latino-americana, incluindo seus Estados-Nações.
O tarifaço e as sanções dos Estados Unidos tendem a ser fatores centrais, exceto em caso de anistia a Bolsonaro. É provável o uso aberto das big techs — via algoritmos, IA e desinformação — contra Lula, com possível engajamento direto de Trump e da Casa Branca. Resta incerto se Washington aceitará Tarcísio ou se imporá a continuidade do bolsonarismo raiz. Uma divergência aberta entre os EUA e a elite local seria um ponto fora da curva da história política nacional.
No "andar de baixo", não bastasse o avanço da IA sobre empregos, a população ainda sente os efeitos das reformas dos ex-presidentes Michel Temer e Bolsonaro: precarização, rejeição ao patronato sob o mito do “empreendedorismo” e latência do sentimento antissistema. Essa energia mina a confiança em soluções técnicas e políticas públicas. A inflação e o novo mundo do trabalho neutralizaram ganhos em emprego e renda, explicando parte da dificuldade de popularidade de Lula.
SEM SOBERANIA POPULAR, NÃO HÁ SOBERANIA NACIONAL
Assim, a reunião ministerial de Lula deve marcar o início da fase decisiva para definir o rumo do Brasil no século XXI. Estão em jogo em 2026:
- o alinhamento geopolítico do País;
- o papel do Estado e um novo pacto fiscal;
- a preservação da democracia liberal como a conhecemos;
- a transição energética e o multilateralismo;
- compromissos ambientais e sociais de governos e empresas;
- a projeção mundial do Brasil como alternativa à agenda de Trump.
O tom presidencial na abertura da reunião destacou a ameaça à soberania, uma bandeira que une contra si os super ricos americanos e brasileiros, sugerindo que Lula enxerga neste tema o eixo reorganizador de sua gestão.
A travessia, contudo, pode exigir uma firme aliança entre afirmação do País e o apoio da população à justiça social, com vida além do trabalho. Afinal, não pode ser descartado que a eleição se encaminhe para um "terceiro turno". Não à toa, o novo slogan do governo Lula vai ser "Do lado do povo brasileiro".
A gestão não tem mais muito tempo e adversários estão em campanha, segundo Lula tem alertado seus auxiliares.